Dia: 3 de junho, 2009
ONG Leia Brasil – Organização não governamental de promoção da leitura
Roger Moreira
Eu me mordo, eu me rasgo, eu me acabo…
Quem viveu sua adolescência ou seus vinte e poucos anos na década de 80, não esquece o Ultraje a Rigor. Suas letras debochadas colavam como Bubaloo e retrataram uma época em que moderno era a extravagância verde-neon da moda e dos modos. E o Ultraje invadiu nossa praia desmascarando preconceitos e comportamentos, mas sem erguer bandeiras, só trazendo a vitrolinha. Leituras Compartilhadas conversou com Roger Moreira, vocalista e compositor do grupo, sobre um de seus maiores sucessos: Ciúme, que já na introdução cantava:
“Eu quero levar uma vida moderninha,
deixar minha menininha sair sozinha
não ser machista e não bancar o possessivo
ser mais seguro e não ser tão impulsivo
MAS EU ME MORDO DE CIÚME”
(Ciúme, 1985, Nós vamos invadir sua praia)LC: Ciúme é um dos grandes sucessos do Ultraje. Por que fazer uma música com este tema?
Roger Moreira: Bem, por que não? Eu estava tentando escrever alguma coisa mais romântica, mas eu não consigo, sou muito debochado.
LC: Tradicionalmente o ciúme é tratado de uma forma quase trágica, como nas músicas de Lupicínio Rodrigues e Ataulfo Alves, e o Ultraje mostrou a face patética do ciumento. Fale um pouco sobre isto.
RM: É como eu lhe disse, costumo ver as coisas dessa maneira. Nós somos todos muito ridículos, quase o tempo todo; reconhecer isto faz bem para nós, ainda que não consigamos mudar ou, talvez, principalmente por este motivo.
LC: No mesmo álbum, vocês cantam: “Agora eu posso até gostar de você/completamente eu vou poder me entregar/ é bem melhor você sabendo se amar” (Eu me amo). A auto-estima é imprescindível para que o ciúme não domine uma relação?
RM: Ser mais seguro de si ajuda muito, mas não é infalível. Acho que ninguém é tão seguro assim.
LC: Em 1985, o Ultraje retratou uma geração que queria “levar uma vida moderninha”, mas sem conseguir fugir do tradicional machismo possessivo brasileiro. Vinte anos depois, o namorado virou “ficante”, o marido, “namorido”. Você acha que mudou a maneira de lidar com esse sentimento ou a atual geração ainda se morde de ciúme ?
RM: É claro que mudou, não necessariamente para o ideal, no entanto. A bem da verdade, eu fiz esta música pensando em como a minha geração enfrentou o ciúme nos anos 70, com a liberação dos costumes, movimento feminista, sexo livre etc. Foi duro. O que se vê hoje em dia é que os jovens simplesmente estão dando a volta no problema, ou seja, se você realmente não tem um compromisso, então não há por que ter ciúme. Assim é fácil.
LC: “De todas as mulheres que eu já tive/acho que só duas ou três/que não foram ciscar noutro terreiro/nem que fosse só uma vez/será que acontece só comigo” (A gente é tudo igual). Esta música faz parte do último cd do Ultraje, Os invisíveis. Mudou a maneira de vocês encararem um relacionamento?
RM: Bom, a gente cresce e, se possível, aprende. Eu estou apenas constatando mais um traço da natureza humana. Não quer dizer que eu aprove ou deixe de nos achar ridículos.
LC: E você, é muito ciumento?
RM: Não muito. Mas sou normal, humano; portanto, tenho ciúme…
Ana Claudia Maia
Entrevista publicada em Leituras Compartilhadas – Ciúme em abril de 2004.
