ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)* ~ Musicaria Brasil

A cultura, de forma geral, e a música popular, em particular, passaram a reverberar essa onda de mobilização e questionamentos. Mas é sobretudo no rock brasileiro, batizado de BRock pelo jornalista Arthur Dapieve, que encontramos as letras mais inquietas e picantes de crítica social.Segundo Rita Lee, uma das poucas artistas do rock que conseguiu seu espaço sem ser marginalizada, “roqueiro brasileiro sempre teve cara de bandido”. Talvez por isso, desde o fim da Jovem Guarda, o rock vinha perdendo seu espaço na indústria fonográfica. Isso mudou na década de 1980. No festival “MPB 80”, da Rede Globo, foram plantadas as sementes da new wave no Brasil, representadas pelo grupo Gang 90 & As Absurdetes. Foi ali também que surgiu para o grande público um fenômeno do pop-rock brasileiro chamado Blitz. As performances teatrais e caricatas e as letras irreverentes associaram o grupo àsapresentações do teatro de revista do início do século passado.Aberto o mercado, nomes como Cazuza, Roger Moreira, Herbert Vianna e Renato Russo lideraram um movimento de dezenas de bandas: Paralamas do Sucesso, Titãs, Legião Urbana, Ultraje a Rigor, Plebe Rude, Camisa de Vênus, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, entre outros. É bom lembrar nesse brevíssimo histórico da “Geração Coca-Cola” que, a partir dos anos 1980, o mercado fonográfico passou também a acolher e portanto estimular cada vez mais a produção de músicas cantadas em português (nos seus mais variados estilos: rock, pagode, axé-music, sertanejo etc.). Isso só vem corroborar a força da música brasileira, haja vista que muitas rádios e TVs de países europeus já haviam sucumbido ao internacionalismo comercial da língua inglesa.“Inútil”e “Geração Coca-Cola”As letras dessas duas músicas representam muito do clima que a juventude vivia na sociedade brasileira dos anos 1980. “Inútil” foi lançada pelo grupo Ultraje a Rigor, de São Paulo, que faz uma mistura de antropofagia cultural com o rock mais tradicional de Bill Halley e seus Cometas. Nela, Roger Moreira e sua turma brincam com o período de transição do país, entre o governo militar e o civil. “A gente pede grana e não consegue pagar” critica a altíssima dívida externa brasileira. E, como não poderia deixar de ser, a letrafaz referência à surpreendente derrota da excelente seleção de 82 na copa da Espanha: “A gente joga bola e não consegue ganhar…/ Inútil, a gente somos inútil…” Já a música da Legião Urbana, “Geração Coca-Cola”, traça um perfil dos jovens da época, pós-golpe militar de 64 e fortemente influenciados pela cultura norte-americana: “Quando nascemos fomos programados/ a receber o que vocês nos empurraram/ com os enlatados dos usa, de 9 às 6/ desde pequenos nós comemos lixo/ comercial e industrial/ mas agora chegou nossa vez/ vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês…”

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